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Síndrome do Impostor: a sensação de que você é uma fraude

Este texto foi publicado originalmente na Revista Inspira, edição #2, agosto de 2019.


Foto: cottonbro/ Pexels


Mais um dia de trabalho. Ao lado de outro café, a pilha de tarefas se acumulando e os projetos sendo postergados. A angústia do trabalho que ainda não foi feito é igual, ou talvez maior, à angústia de vê-lo pronto. Como um recém-nascido, após ver a luz, ele será apresentado ao mundo. A causa da aflição: críticas. Antes das dos outros, as sobre si mesmo. Um efeito dominó e circular. Mais um dia; outro café.


Mas não é apenas procrastinação. A procrastinação é somente mais um dos sinais. Essa cena vem acompanhada de pensamentos: “Será que sou mesmo bom nisso?”, “Acho que a sorte me trouxe até aqui”, “Uma hora vou ser descoberto”, “Se eu me expuser, fico mais suscetível de ser descoberto”.


Essas são algumas das características da Síndrome do Impostor.


ORIGEM

Na clínica da psicóloga Pauline Rose Clace, várias pacientes que frequentavam a terapia em grupo relatavam uma forte crença de não se acharem inteligentes e de que as coisas que obtiveram na carreira foram por sorte. O intrigante é que muitas dessas pacientes tinham títulos de doutorado em várias especialidades.


Pauline Rose Clace e sua colega Suzanne Imes, então, escreveram um artigo científico em 1978 e publicaram na revista Psychotherapy Theory, Research and Practice. Ali elas cunharam o termo “fenômeno do impostor”. No artigo, Clace e Imes escreveram: “Mulheres que experimentam o fenômeno do impostor mantêm uma forte crença de que elas não são inteligentes; na verdade, elas estão convencidas que enganaram quem pensa o contrário” (em tradução livre).


Em outro momento do artigo, as autoras trazem o relato de uma professora universitária, que disse: “Eu não sou boa o suficiente para estar no corpo docente aqui. Algum erro foi cometido no processo de seleção” (em tradução livre).


Inicialmente, pensava-se que o fenômeno observado por Clace e Imes estava associado apenas às mulheres. No entanto, investigações posteriores apontaram que homens sofrem igualmente com o que hoje é chamado de Síndrome do Impostor. Um estudo realizado pela a psicóloga Gail Matthews na década de 1980 mostrou que 80% das pessoas, tanto mulheres quanto homens, já passaram por episódios da Síndrome do Impostor ao longo de suas trajetórias profissionais.


“Apesar de ter o nome de síndrome, não é um quadro clínico reconhecido pelo Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais. Mas isso não prejudica o diagnóstico, é possível identificar um paciente com essa ‘síndrome’ quando ele traz muitas situações onde tem a sensação de ser uma ‘fraude’, características de insegurança, autossabotagem, medo de errar etc.”, esclarece a psicóloga clínica Mohine Armelin.


A Síndrome do Impostor ganhou projeção mundial quando Michelle Obama, ex-primeira dama dos Estados Unidos, falou abertamente sobre o assunto durante uma palestra na Inglaterra, em 2018. Na ocasião, ela disse que se questionou se era capacitada o suficiente para ser uma boa primeira dama. Anos antes, em 2013, a atriz britânica Emma Watson, uma das estrelas do filme Harry Potter, confessou ter se sentido como uma fraude e que tinha medo de a descobrirem.


Além dessas celebridades, a Síndrome do Impostor é vista com frequência nos consultórios de psicologia. “Muitos pacientes procuram a terapia por diferentes motivos e em seus relatos no decorrer do processo aparecem características como essas que caracterizam a Síndrome do Impostor. Muitas pessoas sofrem ou sofreram com a síndrome ao longo da vida e não sabem disso”, observa Armelin.



OS SINAIS

A psicóloga clínica Mohine Armelin defende que mesmo com a qualificação para exercer cargos ou funções, quem tem pensamentos ligados à Síndrome do Impostor é incapaz de assimilar as próprias conquistas. “Ocorre quando uma pessoa muito capaz e qualificada sofre ilusoriamente um sentimento de inferioridade e desmerece suas realizações. A tendência é que as pessoas vivenciem esse tipo de sensação no ambiente de trabalho, mas também se manifesta em outras situações, como no convívio social”, explica.


No caso de Agatha Silva, de 24 anos, formada em Engenharia da Computação, esse tipo de sensação foi vivenciada durante as aulas na faculdade. “Eu sempre fui uma boa aluna. Quando os professores faziam as perguntas, sabia as respostas. Lembro que queria responder, mas mesmo assim é como se uma voz na minha mente dissesse que estava errada, porque é óbvio que eu não ia saber da resposta certa. Então não respondia nunca. E aí o professor respondia, e a resposta que ele dizia era sempre o que eu queria responder. Inclusive, perdi muitos pontos extras por causa disso”, lembra.

Agatha identificou sinais ligados à Síndrome do Impostor ao assistir a um vídeo no YouTube. A paraense, que mora em São Paulo, tem um canal na rede social e falou sobre o problema em um de seus vídeos. Contou que os pensamentos ligados à Síndrome do Impostor a faziam postergar em gravar para o canal. E mesmo quando gravava, no momento de editar os vídeos, acreditava que não estava bom o suficiente. Entre a postagem em que fala sobre a Síndrome do Impostor e a anterior, há uma lacuna de quatro meses. No vídeo, Agatha justifica a demora entre as publicações: “Quando ele [o canal no YouTube] começou a dar um pouco certo, eu comecei a me autossabotar”.


Com frequência, quem sofre com a Síndrome do Impostor têm sentimentos de insegurança e inferioridade. “É como se você se fosse inferior aos outros e para se igualar tivesse que usar uma fantasia, e por causa disso você tem medo de ser descoberto. E por eu sempre ficar pensando no que os outros vão pensar no que eu faço, isso acaba fazendo com que me cobre demais antes de fazer qualquer coisa. Às vezes eu deixo as coisas para a última hora ou então faço e refaço mil vezes. Ou mesmo acho que nunca está bom o suficiente e deixo para lá, e isso acaba me atrapalhando muito”, explica Agatha.


Além da procrastinação e da autossabotagem, a psicóloga clínica Mohine Armelin pontua outros sinais que indicam a Síndrome do Impostor. Veja no box ao lado.


E O QUE FAZER?

Ao reconhecer que alguns sinais ligados à Síndrome do Impostor estão prejudicando a vida, Armelin aconselha buscar ajuda de um profissional qualificado. “O psicólogo ajudará a desenvolver o autoconhecimento, identificando e trabalhando as crenças disfuncionais que estão gerando a Síndrome do Impostor. No processo terapêutico, a pessoa vai conseguir tomar consciência de seus pontos fortes e talentos para fortalecê-los, aprendendo também a respeitar seus limites e falhas”, defende.


Foi o que fez Agatha, ao perceber que os pensamentos ligados à Síndrome do Impostor eram prejudiciais. “Fazer terapia com certeza foi o que mais me ajudou nos últimos meses a me estabilizar emocionalmente; o que ajudou muito”, finaliza.


Em nosso turbilhão de pensamentos diários, que giram numa média de 70 mil, provavelmente haverá algum que nos desmotiva. Talvez a resposta esteja numa das máximas que é base da filosofia antiga: “Conheça-te a ti mesmo”. Assim, podemos fortalecer a nossa identidade e distanciar os pensamentos negativos que criam ilusões de nós mesmos e do mundo.



Sinais da Síndrome do Impostor

- Criar desculpas. Para justificar seu próprio sucesso em vários momentos da vida, como por exemplo, uma pessoa altamente capacitada que é aprovada num teste de alto nível de dificuldade, justifica dizendo que foi “sorte” ter passado ou acredita que “se ela passou, qualquer um passa”.


- Medo de ser descoberto. Quando o indivíduo acredita que é uma fraude e vai ser descoberto a qualquer momento, seja no contexto pessoal ou profissional.


- Dificuldade em lidar com críticas e erros. Comportamento que pode estar ligado ao perfeccionismo e a autoexigência em muitas situações. Ou seja, se algo não ocorrer como o esperado, é gerada uma sensação de incompetência por completo.


- Trabalhar demais. Ser workaholic é um dos indícios. Trabalhar exageradamente e além do que é necessário, por achar que é menos capaz ou menos inteligente que o outro e assim precisar se esforçar mais para alcançar algum resultado que considere positivo.


- Procrastinar. Em contrapartida, trabalhar de menos também pode ser um indício da Síndrome do Impostor. Quando a pessoa adia algo que precisa ser feito ou deixa para fazer na última hora, pode ser uma fuga por medo do erro e de ser descoberta.


- Mudar muito de emprego. Pessoas que passam muito rápido por diversas empresas ou até mesmo tornam-se autônomas, como um meio de evitar/fugir da crítica, para que ninguém descubra seu “erro”.


- Evitar dar opiniões. Outro sinal é quando, em reuniões, as pessoas evitam dar opiniões ou se posicionar, pois também está relacionado ao temor de parecer incompetente. Quando o indivíduo não se expõe, ele entende que ganha tempo e evita que sua “máscara caia” e que alguém descubra que é um “impostor”.






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